Já observei o processo de transformação de muitas empresas que eram antes focadas apenas em grandes e médios clientes, e que para caminhar em direção à grande base da pirâmide (ou seja, atingir pequenos e médios clientes), criaram versões mais acessíveis de seus produtos e normalmente adotaram vendas indiretas, através de canais. Nesse caso, a convivência é bastante simples: os mundos raramente conflitam, pois o produto e o público alvo são bem diferentes.
Mas e quando não há essa distinção clara? E quando o produto é o mesmo, o público alvo é o mesmo e a empresa decide adicionar a estratégia de canais à de vendas diretas ou vice-versa? Configura-se aqui um dos pontos de guerra mais clássicos: Canais X Vendas Diretas.
Isso tem dificultado muito a vida das empresas que, para expandir sua atuação ou atingir nichos específicos de mercado, apostam em parcerias, representantes e até franquias (nosso caso aqui na Omie) para ganhar novos clientes.
Um dos contornos mais comuns é a “atuação account based”, ou seja, o cliente é de quem registrar antes a oportunidade no CRM. Teoricamente isso resolve o conflito pois o cliente é de quem faz a reserva antes. Parece simples, mas na prática do dia a dia, essa técnica sozinha tem se mostrado muito pouco eficaz, veja algumas frases comuns de se ouvir:
“Mas esse cliente é meu amigo e exige ser atendido por mim…”, “Mas esse cliente tem dois CNPJs e o CRM não detectou a minha reserva…”, “Mas esse cliente quer ser atendido pelo fabricante, não por um representante…”, “Mas esse cliente é referência de mercado e deve ser atendido diretamente…”, “Mas o representante cadastrou todas as empresas do segmento no CRM…”
E por aí vai…
Outra técnica para contornar o problema é a regionalização ou verticalização, do tipo: “Clientes do estado X ou do segmento Y são atendidos apenas pelo canal direto/indireto”. Assim como a atuação account based, tem seus problemas, pois nem sempre os conflitos são apenas entre pai e filho (vendas diretas e indiretas). Muitas vezes os conflitos ocorrem entre irmãos (representantes brigando uns com os outros), do tipo:
“Esse outro revendedor invadiu o meu território…” “Esse cliente não gosta do revendedor da região dele e vai acabar na concorrência…”,
só pra citar algumas…
Então não há fórmula perfeita. O que temos são maneiras que minimizam o problema a níveis administráveis, como por exemplo combinar todas as técnicas acima: separar região, segmento e ainda fazer o registro prévio das contas. O ponto negativo disso é o aumento da complexidade, o que na última linha, reduz a performance da máquina de vendas como um todo.
Muitas regras e muitos controles podem diminuir os conflitos, mas a burocracia diminui também a eficiência e as vendas.
Mas afinal tem algum hack? Tem sim! O formato que eu gosto é um pouco difícil de ser aceito inicialmente por alguns gestores, mas é o que percebi que entrega o melhor resultado a longo prazo:
Quando você decide trabalhar com canais, automaticamente você deve assumir o seguinte ponto como verdadeiro: em caso de conflito, a preferência é do canal. Por exemplo, se você optou pelo modelo account based e aconteceu um conflito, o cliente é do canal (desde que não haja nenhuma trapaça envolvida). O motivo disso é que não existe nada mais “brochante” para um representante, e que crie mais problemas de relacionamento, do que de repente ele perceber que perdeu a concorrência para seu próprio fornecedor! Isso, somando à distância física, faz surgir teorias conspiratórias que destróem completamente a estrutura.
Mas e se o canal não for bom o bastante para esse cliente? Veja, tudo será sempre culpa sua. Se você quer trabalhar com canais, acostume-se a isso: se o canal não tem qualificação para fazer a venda, você que não o treinou bem. Se o canal não tem capacidade para lidar com esse perfil de cliente, lembre-se que você o habilitou. Em última hipótese, se o representante é um total incompetente, lembre-se que foi você que o aceitou como representante.
Mas e se a equipe de vendas diretas ficar revoltada com a preferência para o canal? Incremente o seu marketing e gere mais oportunidades do que eles podem dar conta. Além disso, uma equipe própria e com proximidade pode receber outras compensações, sendo mais administrável do que uma terceirizada e distante.
Um canal é como um filho. Você é responsável por educá-lo, determinar e controlar seus limites, mas ele sempre será a prioridade da sua casa.
Então resumindo, um canal é como um filho. Você é responsável por educá-lo, determinar e controlar seus limites, mas ele sempre será a prioridade da sua casa. Para conviver bem com vendas diretas, o canal precisa entender esta prioridade e sentir segurança, que vem da prática coerente com o discurso. E o time de vendas diretas precisa sentir que faz parte da construção do todo e que pode se tornar um gerador de boas práticas para o canal. Fácil? Não. Mas se fosse, não teria graça 🙂