Você já deve ter ouvido o chavão “O cliente sempre tem razão” ou qualquer outra frase que coloca o cliente como um ser absoluto, o epítome da sabedoria. Quase uma divindade.
Este artigo propõe falar dos perigos que essa visão pode proporcionar quando aplicado a etapa de discoverys/entrevistas com os clientes.
Dentro do universo de entrevistas com clientes falaremos sobre por que não ouvir cegamente os clientes, sobre os clientes normalmente não saberem o que realmente querem e sobre os principais erros que você deve evitar para coletar informações mais confiáveis nessa etapa do seu processo de desenvolvimento de soluções.
Entrevistas com clientes
Normalmente quando se está lançando um novo produto ou iniciando um novo projeto existem muitas informações desconhecidas. Você está nesse momento em um cenário de imprevisibilidade devido ao desconhecido.
Com isso, métodos de desenvolvimento de soluções como o Design Thinking costumam englobar um momento de descoberta que pode envolver tanto a parte quantitativa como a parte qualitativa de ouvir clientes e stakeholders.
E é nesse contexto de “Descoberta” que você pode se deparar com a necessidade de realizar entrevistas com clientes.
As entrevistas com clientes costumam ser realizadas para cobrir um gap de conhecimento do profissional/empresa que está desenvolvendo uma solução. Nesses casos, em um cenário de incertezas e poucas informações disponíveis, o profissional/empresa busca entrevistar clientes ou potenciais clientes para obter informações que ajudem a aumentar as certezas e potencializar o sucesso da nova solução.
É uma ferramenta poderosa, mas que se utilizada de forma incorreta pode comprometer o sucesso de projetos, novas soluções e até mesmo levar empresas à falência.
Por que não podemos ouvir cegamente os clientes?
Lembra de termos citado alguns parágrafos atrás o mito criado sobre “o cliente ser perfeito, absoluto, quase uma divindade”?
Como o próprio nome já diz, tudo isso é um mito. O cliente é sim essencial, mas a realidade é que esse fator não pode torná-lo intocável ou em um ser que não comete erros.
Quando estamos desenvolvendo um novo produto, uma nova solução, seja em qual nível for, pode ser relevante você escutar os clientes, mas dependendo da forma que você se comunica com o cliente no momento de descoberta, o cliente pode direcionar você para um caminho totalmente equivocado.
E é por isso que você não pode ouvir cegamente seus clientes.
Vou além nas provocações…
Imagine invenções ou soluções revolucionárias. O primeiro telefone, por exemplo. Imagine o inventor Alexander Graham Bell perguntando para os potenciais futuros clientes e usuários de telefones se eles gostariam de ter um aparelho que você coloca no ouvido e na boca para se comunicar com pessoas ao redor do mundo. Em 1876.
Provavelmente os entrevistados iriam rir da cara do Sr Graham ou até mesmo acusá-lo de bruxaria ou algo do gênero.
E é nesse exemplo que podemos entender onde está o erro da pesquisa e por que não ouvir cegamente o cliente. Pesquisas, entrevistas são sempre feitas por humanos e os humanos tendem a cometer erros e estar envoltos de vieses cognitivos. Esses vieses podem ter um grande impacto em tornar a entrevista com o cliente em algo direcionado para respostas que o entrevistador quer ouvir.
No caso hipotético citado acima, o Sr Graham faz a pergunta direcionando para uma solução. Perguntando sobre o desejo de um produto inovador, que não existia, que não era tangível para o entrevistado.
E esse é um dos principais erros ao se realizar entrevistas.
Se a pergunta fosse: “o que você gostaria que mudasse no formato de comunicação com pessoas que estão a x km de distância?”, o entrevistado poderia dar informações muito mais relevantes. Informações inclusive que embasassem e servissem de validação para a hipótese do Sr Graham para a criação do tal “telefone”.
E aqui entramos no cerne do nosso artigo: Por que afinal eu não devo ouvir cegamente os meus clientes?
Os clientes não sabem o que querem
Caso você já tenha vendido algum produto ou serviço, já deve ter encontrado dúvidas/objeções sobre: O seu produto tem a funcionalidade X? O seu serviço proporciona a possibilidade Y?
Boa parte dos vendedores quando se deparam com tal objeção/dúvida, respondem de forma direta e objetiva o sim ou o não. O sim é maravilhoso. O não pode significar o fim da possibilidade de venda.
Porém, lembra o título desse nosso tópico? Os clientes não sabem o que querem.
Assim como um entrevistador, o cliente também é humano e está envolto pelos mesmos vieses. Quando ele vai tirar uma dúvida, ele se refere diretamente a solução que ele acredita que resolverá seus problemas.
Ele não fala os problemas.
Voltando ao exemplo do vendedor, o vendedor poderia responder e em seguida fazer uma pergunta simples: Não temos essa funcionalidade. Mas, fulano. Qual a necessidade você possui que você gostaria de suprir com essa funcionalidade?
E é aqui onde o cliente irá contar o caso de uso. Ele falará da dor. Ele contará da rotina que ele precisa melhorar. Ele irá contar a realidade sem viés relacionado a qual é a solução ou a resposta para sua dor. E o vendedor poderá (caso exista) mostrar as possibilidades que a solução possui para atender essa mesma necessidade, porém com funcionalidades diferentes do que o cliente veio direcionado em adquirir.
Nas entrevistas com os clientes, ocorre o mesmo. Porém, nesses casos o entrevistador é o dono das perguntas.
E é por isso que ele deve saber identificar os momentos onde as respostas realmente agregam informações relevantes ao seu negócio e os momentos onde as respostas foram dadas por uma influência da forma como foi feita a pergunta. Ou até mesmo de vieses que levam o cliente para caminhos conhecidos para ele e que podem impedir comunicar a você que a sua inovação talvez não tenha um público alvo potencial.
“Como faço então para que minhas entrevistas com clientes não me façam pivotar uma estratégia devido a informações coletadas de uma maneira incorreta? “
Vamos conferir as 5 principais erros para evitar no processo de realizar entrevistas com clientes
Os 5 principais erros ao entrevistar clientes
Ao entrevistar clientes, alguns erros são muito comuns durante o processo. Além de serem muito comuns, possuem um impacto alto nas decisões seguintes às entrevistas e podem comprometer todo um projeto. Conforme os erros e a qualidade das entrevistas realizadas, as informações podem ser um pote de ouro ou de veneno.
Para que não seja um pote de veneno, fique atento para não cometer os seguintes erros:
1. Não definir ou errar o público-alvo
A definição do público-alvo que será entrevistado é essencial para o seu sucesso. Imagine que sua visão é montar uma loja de carnes de alta procedência em um bairro específico. Sua loja venderá carnes e elas terão um valor mais elevado por se tratarem de cortes mais nobres.
Ao definir os entrevistados, eles não podem ser de bairros distantes onde até entregas via delivery seriam inviáveis, eles não podem também ser de grupos com restrições alimentares à carne como veganos e vegetarianos.
Imagine você entrevistador entendendo as necessidades sobre carne com uma pessoa vegana? Aqui fica claro a importância de definir o público-alvo.
Tome cuidado ao fazer a limitação desse público também. Nesse exemplo, se você restringir o público-alvo a pessoas com renda mensal acima de R$7 mil, você pode perder informações relevantes sobre a região. Inclusive pode deixar de ver que essa região possui público maior de baixa renda e talvez não seja o lugar mais adequado para a venda de carnes com valores acima do que o mercado oferece.
Você também pode se deparar com um cenário onde você não sabe qual é o público. Nesse caso, você pode utilizar as entrevistas para tentar traçar um perfil também. Importante definir previamente os principais pontos que você busca mapear sobre o público para fazer as perguntas certas.
2. Perguntar sobre a sua ideia/solução
Ideias e soluções inexistentes não são tangíveis. O entrevistado tem pouca informação para responder se faz sentido ou não e existem etapas posteriores como testes de uso com os clientes, validações de solução/produto que podem dar essa resposta.
Procure no momento de entrevistas com os clientes colocar foco na possível dor ou necessidade que você supõe que existe. Sobre o cenário dele, o que ele faz, o que ele sente, o que falta pra ele, tudo isso é tangível pra ele e tudo isso pode ajudar muito mais do que perguntas sobre cenários fantasiosos.
3. Pessoalizar perguntas
É comum e natural do ser humano falar de si mesmo e transformar qualquer assunto em algo sobre si e suas vivências. É contra intuitivo, mas esse é um instinto que o entrevistador deve evitar.
Nunca diga ao entrevistado que você acredita em uma coisa X, ou que algo Y foi sua ideia. Nunca vincule qualquer tipo de informação ou pergunta a você.
Pessoalizar perguntas ou informações pode influenciar nas respostas dos entrevistados ativando a parte da bondade humana. Ninguém diz que o seu bebê é feio. Assim como é raro alguém querer confrontar ou opinar de forma contrária a algo que você pessoalizou.
Essa pessoalização é negativa aplicada exclusivamente ao ENTREVISTADOR. Pessoalizar as perguntas para o entrevistado, o cliente é algo que pode ter efeito positivo. Vamos a um exemplo de ambos os casos.
Quando um entrevistador pessoaliza uma pergunta, ela é feita mais ou menos no seguinte padrão:
- “Fulano, na minha visão o público do varejo tem a necessidade X. É realmente isso? Você também vê dessa forma?”
Nesse exemplo, o entrevistador pessoalizou a pergunta vinculando ela à sua própria opinião. Ele começa falando que na visão dele (entrevistador) o público ao qual o cliente pertence tem uma determinada necessidade X. E após isso ele pede pro entrevistado confirmar se é isso mesmo.
Será uma raridade o entrevistado discordar e discorrer sobre outros pontos além da necessidade já citada e enviesada pelo entrevistador. Isso pois o entrevistador pessoalizou a pergunta vinculando-a a si mesmo. Em sua própria visão sobre a situação.
O inverso disso e que poderia ser positivo é a pessoalização vinculada ao entrevistado. Nesse caso é uma técnica positiva e que pode ajudar o cliente a dispor as informações de forma rica.
Um exemplo seria, no lugar de perguntar:
- “Quantas vezes você corre por mês?”
Você pode perguntar:
- “Quantas vezes você correu no mês passado”
Nesse segundo exemplo, estamos afunilando a pergunta para a experiência pessoal do cliente. Isso costuma ajudar a trazer informações mais detalhadas, verdadeiras e de comportamentos reais sobre o público entrevistado.
4. Questionar a uma pessoa se o público ao qual ela pertence “teria um determinado comportamento”
Lembre-se sempre. O entrevistado só e apenas pode responder por ele mesmo e seus comportamentos.
Você não pode tomar decisões e definir comportamento de um grupo com base em uma entrevista de um entrevistado. Assim como você não pode perguntar a ele se ele acredita que o grupo ao qual ele pertence inteiro pensa da mesma forma que ele.
Um exemplo seria um entrevistado do setor de varejo. Você pergunta a ele qual a principal necessidade ele tem sobre a parte de frente de caixa. Ele dá uma resposta a você e na sequência você pergunta: “E você acredita que toda empresa de varejo possui essa sua mesma necessidade sobre frente de caixa?”.
Este é um erro muito comum e que pode minar completamente seu projeto.
5. Perguntas fechadas
Perguntas que levam o cliente a responder “Sim” ou “Não” limitam as possibilidades e limitam também a gama de conhecimento que você pode coletar com o cliente.
Busque simular o que o cliente responderia para a pergunta que você definiu. Caso tenha a possibilidade de existir uma resposta fechada como essa, tente alterar a pergunta para um formato de pergunta aberta.
Por exemplo, no caso de uma pergunta:
- “Você gosta de tecnologia?”
Essa pergunta pode ser respondida com sim ou não. Busque trocá-la por uma opção de pergunta aberta como por exemplo:
- “Qual é a sua visão sobre tecnologia?”
Essa pergunta de modo aberto dá a oportunidade do entrevistado colocar todos os pontos de vista e inclusive informar se gosta ou não de tecnologia. O ponto é que a pergunta não limita o entrevistado. Ela amplia o poder de coleta de informações.
Outra opção é você definir uma progressão de perguntas. Por exemplo:
1. Você gosta de academia?
2. Quantas vezes por semana você vai para a academia?
3. Quantas vezes você foi na academia semana passada?
O cliente sempre vai tentar dar uma resposta ideal ou que ele ache correta. Mas, nós, queremos entender a realidade com suas contradições.
Ele vai falar que vai para academia 5 vezes por semana, pq ele se programou para isso. No entanto, a probabilidade dele ter matado pelo menos 1 dia por ter acontecido um imprevisto ou estar cansado é muito alta.
A resposta ideal tem pouco valor pro entrevistador. As contradições, entretanto, tem o poder de nos contar o que faz parte do dia a dia do entrevistado e do contexto que estamos explorando nas entrevistas.
Conclusão
O cliente nem sempre tem razão. E quando aplicamos isso à realidade de entrevistas com os clientes, precisamos tomar muito cuidado com a forma como coletamos informações.
Por isso, é papel do entrevistador se precaver e pensar à frente sobre os principais pontos que podem comprometer sua entrevista com o cliente. O entrevistador deve como primeiro passo entender o que quer descobrir e que perguntas deve fazer para que o cliente dê informações valiosas e confiáveis.
Para isso, o entrevistador deve evitar 5 erros principais ao aplicar o processo de descoberta via entrevistas com os clientes:
- Não definir ou errar o público;
- Perguntar sobre sua ideia/solução;
- Pessoalizar perguntas;
- Questionar a uma pessoa se o público ao qual ela pertence “teria um determinado comportamento”;
- Perguntas fechadas.
Evitando estes 5 erros, o entrevistador está muito próximo de realizar entrevistas que fornecem informações relevantes para aumentar as chances da sua futura solução ter sucesso.
Mais do que isso, o entrevistador aumenta a confiança sobre as próprias informações que está coletando e a credibilidade de todo o seu projeto!